domingo, 2 de novembro de 2008

Parte 5 Deuses Alados

O destino mais uma vez estende seus cruéis tentáculos para a vila. A lua nasceu vermelha aquela noite, e sabia bem Camila que tal agouro não seria bom sinal. Como um arauto que antecede o terror.
Das montanhas do leste ouve-se o bater de asas que trazem a dor e desespero consigo, no interior de seu templo Estefan sentiu a presença daquele deus. Um deus que vem para sua vingança.
A vila estava até então calma, as pessoas já se retiraram para suas casas, Camilla está com seu irmão no templo. Estão degustando uma bela refeição feita por ela. Se não fosse uma sacerdotisa seria uma ótima esposa.
Estefan a olha e sorri:
— Estou muito orgulhoso de você minha querida irmã... Você se supera a cada dia, sua dedicação é emocionante.
Ela enrubesce.
— Caro irmão, eu só faço isto por que você esta aqui comigo - diz Camilla sem jeito, e passam o resto da ceia em silêncio. Não por faltarem assuntos, mas sim por que um conhece demais o outro para falar algo, suas melhores conversas não têm palavras.
Mas um estrondo ensurdecedor interrompe os dois, e ao olhar pela janela rústica do templo, vêem que a granaria está em chamas e vários aldeões tentam apagar o fogo. O desespero em poucos instantes se espalha como as chamas, que se percebe, não eram chamas comuns, pois não se apagam. É um fogo que parece liquido quente como o inferno.
Suas labaredas consomem a sanidade dos aldeões tal como as casas. Uma sombra maligna sobrevoa ofuscada pela luz vermelha do fogo, dando voltas para saborear a loucura contagiosa.
Berem é filho do líder dos aldeões, e foi o único a perceber o planar do monstro. Ao notar o estrondoso vôo da criatura, ele corre para pegar sua espada, uma espada curta e bem afiada que estava junta a seu escudo.
Imediatamente monta em seu cavalo sem nem ao menos preparar a cela e o pica com a espora rapidamente calçada, galopando sem saber ao certo qual o inimigo. Sabe apenas que alguém pagaria muito caro pela destruição causada. Ao ganhar a rua, Berem encontra com Estefan, ocupado em ajudar os aldeões a apagar o fogo.
— Estefan — Grita Berem—Olhe para o céu, O culpado esta lá!
Estefan olha com atenção e avista um vulto negro em meio a fumaça, que se preparava para o pouso à apenas alguns metros de onde estavam.
Emitindo um grunhido medonho de suas gargantas já bastante aquecidas, o poderoso dragão Grivar pousa majestosamente, levantando do chão que toca uma nuvem escura de poeira e cinzas. Como quem sabe exatamente o que viera fazer aqui, começa a caminhar de uma forma despreocupada, como se caçoasse dos humanos por sua fraqueza. Os aldeões se agitavam como formiguinhas estúpidas tentando apagar suas chamas, ao mesmo tempo em que se afastavam temerosas.
De fato não é corriqueiro uma criatura alada de tal porte se aproximar tanto de agrupamentos humanos. Os dragões geralmente se ocupam apenas com seus próprios combates egoístas. Se havia em plena feira de Lamordia um desses gigantes, com certeza deve haver uma excelente razão para isso. Mas essa razão passa completamente despercebida ao coração furioso de Berem.
Estefan saca sua espada e impetuosamente parte em direção à criatura, sendo seguido por Berem em sua montaria.
_Não se aproxime muito dele, irmão! – Grita Berem, galopando seu corcel ao redor do dragão.
Num último instante antes de enterrar a lâmina nas escamas do monstro, Berem pôde jurar ver um vulto de sorriso nos lábios da fera. Mas tal coisa não pôde ser comprovada, pois o suposto sorriso logo foi interrompido por um urro assustador.
A cauda de Grivar rodopia cortando o ar, atingindo o cavalo de Berem num golpe certeiro.
Rolando nos cascalhos, Berem acerta sua cabeça numa pedra e fica imóvel. Vendo seu irmão desacordado e temendo pelo pior, Estefan avança cegamente em direção ao Dragão, arrancando de sua fúria um grito que pôde ser ouvido mesmo em meio à cacofonia que dominava toda a cidade. A Lâmina de sua espada cintila nas chamas e nesse instante, o olhar de Estefan atinge os olhos do dragão como o trovão de um deus enfurecido. Um liquido negro escorre pela face do monstro que urra e sacode rapidamente sua cabeça, e fica imóvel, olhando furioso para o guerreiro que prepara outro ataque.
Antes que Estefan pudesse novamente erguer sua espada, a voz rouca do Dragão interrompe seus movimentos:
— Cavaleiro, assinaste tua sentença, prepara-te! - A voz de Grivar estoura nos ouvidos de Estefan, como se fosse o desmoronar de uma montanha.
Ao dizer isto um repentino bote das garras do dragão atinge certeiramente o peito de estefan, rasgando sua frágil proteção como folhas de uma arvore agonizante.
Tomada por uma urgência que não sabe determinar a origem, Camilla corre na direção da batalha que se desenrola. Ela chega ao exato momento em que Estefan é atingindo pelo Dragão e a cena violenta lhe arranca um grito de dor, sentindo o mundo se desmanchar ao seu redor lhe roubando o ar e a terra, que num mal estar agonizante, lhe foge aos pés.
Resta apenas ela e o corpo de seu irmão que ela ama mais que tudo, sangrando em carne viva.
Em seus ouvidos ela ouve a voz repugnante do algoz de seu irmão:
—Filha da terra, saiba que o mundo não pertence a vocês humanos. Nós somos Deuses, já reinamos antes e podemos fazê-lo novamente. Seu destino está sendo vigiado, não irás para junto dele, não, viverás para ver o inicio de uma nova era. - Ao dizer isso, as asas do dragão se abrem e se fecham tão forte que levanta o corpo enorme da criatura, deixando a jovem abraçada em prantos ao corpo sem vida de Estefan.

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